Quando a confiança se quebra: traição, dor e a possibilidade do perdão

Por Lívia Alvarenga

A traição, por si só, é um abalo profundo na estrutura de qualquer relacionamento. Ela não representa apenas um ato externo, mas ecoa como uma fratura interna — uma ruptura no pacto implícito que sustenta o afeto, a intimidade e a lealdade. Para compreendê-la de forma mais profunda e compassiva, precisamos olhar além do ato em si e buscar suas raízes emocionais, sistêmicas e psíquicas.

Segundo a abordagem sistêmica de Bert Hellinger, muitas vezes a traição carrega um emaranhamento transgeracional: histórias de exclusão, abandonos, traições anteriores ou desequilíbrios nos sistemas familiares que se repetem inconscientemente nas gerações seguintes. Nesse sentido, a traição pode ser vista como um sintoma, um chamado à luz para que algo oculto seja visto, reconhecido e curado.

Do ponto de vista da psicologia positiva (Martin Seligman, 2009), reconstruir um relacionamento após uma traição exige mais do que resiliência. Requer esperança, significado, empatia e disposição para abrir um novo caminho — não o mesmo de antes, mas um relacionamento reinventado, mais consciente e maduro.

Traição é sempre sobre o outro?

Muitas vezes, a traição acontece quando a intimidade emocional foi interrompida ou quando há necessidades não expressas, silêncios acumulados, frustrações não elaboradas ou mesmo uma desconexão consigo mesmo. É claro que isso não justifica o ato, mas nos ajuda a compreender que a traição é multifatorial, e que em muitos casos, ambos os parceiros, de forma diferente, contribuíram para o distanciamento que a antecedeu.

O tempo da dor e o tempo da reconstrução

É fundamental dar espaço para a dor. Como diz Clarissa Pinkola Estés, “as emoções precisam de espaço para respirar”. O processo de perdão não é imediato e nem sempre possível. Requer tempo, elaboração emocional e, muitas vezes, acompanhamento psicoterapêutico.

A psicoterapia é o solo fértil para que sentimentos como raiva, tristeza, humilhação e medo sejam acolhidos e ressignificados. Técnicas como o Ho’oponopono, que trabalha o perdão profundo, e abordagens de reprogramação mental e hipnose ericksoniana (Milton Erickson) podem ser ferramentas complementares para esse processo.

Quando reconstruir é possível…

Alguns casais, com apoio psicoterapêutico, conseguem se reinventar após a traição. Esse é um caminho que exige:

Maturidade emocional

Compromisso verdadeiro de ambos

Capacidade de olhar para si e rever atitudes

Desejo real de permanecer e construir algo novo

…E quando não é.

Existem, no entanto, contextos em que a reconstrução não é possível nem saudável — especialmente nos casos de violência física, emocional, sexual, psicológica ou patrimonial. Nesses casos, não se trata apenas de traição, mas de violação. E a prioridade precisa ser a integridade física e emocional de quem está envolvido.

Referências bibliográficas:

Hellinger, B. (2001). Ordens do Amor. Cultrix.

Seligman, M. (2009). Felicidade Autêntica. Objetiva.

Estés, C. P. (1994). Mulheres que Correm com os Lobos. Rocco.

Erickson, M., Rossi, E. (1980). Hypnotherapy. Irvington.

Vitale, J. & Len, H. (2007). Limite Zero (sobre Ho’oponopono).

Brown, B. (2012). A Coragem de Ser Imperfeito. Sextante.

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