Quando o Amor Acaba: Maturidade Emocional e o Fim das Relações

Por Lívia Alvarenga

Nenhum divórcio é simples. O fim de uma relação amorosa é, para muitos, como uma alma que se estilhaça por dentro. Não há vencedores. Há apenas sobreviventes. Homens e mulheres que saem como soldados voltando de uma guerra — não importa quem venceu. Ambos carregam marcas, feridas, silêncios e vivências que gritaram mais do que as palavras. Mas esse fim pode ser também um recomeço.

Para além da ruptura concreta, há uma travessia emocional e psíquica que precisa ser reconhecida como um verdadeiro luto. Luto da história que se sonhou, da família que se idealizou, da versão de si que se sustentava na relação. E talvez, mais profundamente, um luto das projeções inconscientes herdadas das relações dos pais, dos avós, da cultura em que se cresceu. Em cada separação, também nos divorciamos da ilusão de que o outro seria o nosso completador.

Na história da Mulher Esqueleto, contada por Clarissa Pinkola Estés (1992), ela é puxada do fundo do mar, presa na costela de um homem — imagem que ressoa com a narrativa de Eva, criada a partir da costela de Adão. Ambas falam de uma origem simbólica da comunhão entre feminino e masculino. Mas nas relações reais, o que muitas vezes morre é a idealização espiritual ou religiosa imatura que projetamos sobre o amor. O ciclo vida-morte-vida nos lembra que algumas relações precisam morrer para renascer mais verdadeiras — seja com o mesmo parceiro, seja em novos encontros. Às vezes, o que renasce é uma versão mais consciente e madura de nós mesmos diante do amor.

Chegar ao fim não é fraqueza. É coragem. É parar de arrastar relações que não fazem mais sentido, que violam nossos limites ou que se tornam campo de guerra dentro do lar. Mas é preciso cuidado. Cuidado com os filhos, que carregam 50% de cada um dos pais dentro de si. Cuidado com a armadilha da alienação parental, que tenta apagar um dos lados da história. Segundo Bert Hellinger (2001), desrespeitar o pai ou a mãe de um filho é desrespeitar o filho por inteiro.

Maturidade emocional é reconhecer que mesmo com dor, precisamos separar a conjugalidade da parentalidade. E mais: precisamos reconhecer quando há violência — física, psicológica, patrimonial ou sexual — como limites que não se negociam. Relações baseadas em abusos devem ser interrompidas. A reconstrução só é possível quando há desejo mútuo e responsabilidade mútua.

Por outro lado, muitas mulheres permanecem em relações disfuncionais por medo da escassez, por dependência financeira, ou por não terem desenvolvido habilidades básicas de autonomia. Isso também é um ponto de virada. É preciso coragem para sair da zona da dependência e desenvolver o amor-próprio como força de reconstrução. Segundo a psicologia positiva (Seligman, 2011), cultivar forças pessoais e significado de vida é essencial para atravessar adversidades e reconstruir novos caminhos.

A psicoterapia é uma grande aliada nessa jornada. Ela não apenas ajuda a elaborar o luto e dissolver as fantasias projetadas sobre o outro, mas também promove a construção de uma nova identidade — mais autêntica, consciente e madura. Como propõe Virginia Satir (1991), o processo terapêutico nos permite olhar para o sistema familiar, identificar padrões inconscientes e transformá-los em escolhas conscientes.

E quando há filhos, a psicoterapia também ajuda a construir novas formas de convivência e respeito mútuo. Afinal, como nos lembra Joan Garriga (2007), a verdadeira separação madura acontece quando conseguimos seguir em frente honrando o que foi vivido, agradecendo ao outro pela parte da história que se construiu juntos, e libertando ambos para novos caminhos.

O fim pode ser o fundo do poço, sim — mas também pode ser o lugar onde encontramos a mola propulsora para um novo começo. Porque é na dor que muitas vezes brota a coragem. É no vazio que nasce a possibilidade de preencher com algo mais verdadeiro. E é na reconstrução que nasce uma nova mulher. Um novo homem. E quem sabe, uma nova família — agora com raízes mais profundas, frutos mais conscientes e histórias mais inteiras.

Referências Bibliográficas

Estés, C. P. (1992). Mulheres que correm com os lobos: Mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem. Rocco.

Garriga Bacardí, J. (2007). O amor que nos faz bem. Cultrix.

Hellinger, B. (2001). Constelações Familiares: A cura através do amor. Cultrix.

Satir, V. (1991). O poder pessoal: Crescendo por dentro. Summus Editorial.

Seligman, M. E. P. (2011). Florescer: Uma nova compreensão sobre a natureza da felicidade e do bem-estar. Objetiva.

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